Jaqueline Daniel

As dores que você não pode sentir

seu amor, por si só, não serve para nada. Pense nele como gasolina de alta octanagem. É um combustível poderoso, mas sem um motor, um volante e um mapa, ele serve apenas para uma coisa: queimar e fazer fumaça.

O teto de um quarto de hospital é uma paisagem estranha. Branco, imutável, com manchas que a sua mente, febril e assustada, transforma em monstros ou anjos, dependendo da hora do dia. Em 2016, tornei-me perita em tetos de hospital. Cada um deles era uma tela em branco para o meu maior medo.

O meu corpo tinha declarado guerra a si mesmo, e ninguém sabia porquê. As internações tornaram-se uma rotina macabra, um carrossel de exames, agulhas e médicos com mais perguntas do que respostas. A dor física era uma companheira constante, mas ela não era nada, absolutamente nada, comparada à dor que me rasgava a alma cada vez que os meus filhos entravam no quarto.

Em 2017, o monstro ganhou um nome: Neuromielite Óptica.

Uma doença rara, grave. O diagnóstico deveria ter trazido algum alívio, mas só abriu a porta para um abismo ainda mais fundo. A partir dali, a ladeira abaixo foi íngreme. E como se a batalha já não fosse desigual, o ano de 2025 trouxe um novo nome para o meu sofrimento: Neuralgia do Trigémio. Os médicos descrevem-na como a "pior dor do mundo". E eu, infelizmente, entendi porquê. É uma dor que incendeia o rosto, que rouba o ar, que te empurra para o limite absoluto da resistência humana.

E no meio de tudo isto, a cena que mais me marcou: eu, que sempre fui o pilar, estava em ruínas. E eles, os meus meninos, tentavam segurar os escombros. Eles, que deveriam ser cuidados, aprenderam a cuidar. Vi os ombros do meu filho mais velho enrijecerem com o peso de uma responsabilidade que não deveria ser sua. Vi a minha filha forçar sorrisos para me dar coragem, engolindo a própria angústia. Vi o mais novo, no seu mundo, sentir a minha ausência como uma quebra na harmonia da sua vida.

"Essa foi a primeira dor que eu não podia sentir por eles: a dor de ver a sua fortaleza desmoronar."

E no epicentro da pior dor que um ser humano pode sentir, no silêncio entre o bip dos aparelhos, o meu pensamento não estava em mim. Não era o meu sofrimento que me assombrava. Era uma única pergunta, um mantra de pânico e amor:

O que seria deles se eu não conseguisse sobreviver?

O que seria deles sem a sua única direção, o seu único farol? Quem lhes diria que tudo ia ficar bem quando o mundo parecesse assustador? Quem celebraria as suas vitórias? Quem os abraçaria nas suas derrotas? Quem guardaria os seus segredos? Quem seria o seu lar?

Nunca foi sobre mim. A minha luta para respirar não era pelo meu ar, mas para que eles não perdessem o chão. A minha batalha contra as doenças não era pela minha vida, mas pela continuidade da vida deles como a conheciam. Cada agulha, cada choque de dor lancinante, era um preço que eu pagava para tentar comprar-lhes mais tempo de segurança, mais tempo de mãe.

Esta é a dor que uma mãe carrega sozinha. A dor de saber que a sua própria fragilidade é uma ameaça direta à felicidade de quem ela mais ama. É um sofrimento silencioso, porque você não pode partilhá-lo com eles. Então, você sorri. Você diz que está tudo bem. Você luta no escuro, para que a luz deles continue acesa.

"E você? Já sentiu que a sua maior dor não era a que sentia no corpo, mas o medo da dor que a sua ausência poderia causar em quem mais ama?"

Naquele leito de hospital, eu percebi que a gente não luta para sobreviver por nós. A gente luta para continuar a ser o lar de alguém. E por esse lar, eu enfrentaria tudo de novo.