Jaqueline Daniel

Da Dor à Palavra: Como a Vida Me Fez Reencontrar a Escrita

Foto escrevendo

Houve um tempo em que as palavras eram o meu lugar seguro. As noites da minha infância e adolescência foram preenchidas por diários e cadernos, histórias inventadas e sentimentos que só encontravam sentido no papel. Eu já era, na minha essência, uma escritora.

Mas a vida adulta tem uma forma de nos apresentar caminhos mais... pragmáticos. A paixão pelas histórias deu lugar à comunicação e logo pela lógica do código. A vocação adormecida foi substituída por uma carreira como Vendedora e mais adiante Analista de Sistemas e Engenheira de Software. E a jovem escritora que vivia em mim ficou guardada numa gaveta, em silêncio, por muitos anos.

Mal sabia eu que seria precisamente o caos, a dor e a maior provação da minha vida que me forçariam a reabrir essa gaveta e a reencontrar a minha voz da forma mais visceral possível. Porque acima de tudo, o meu mundo era, e sempre será, ser mãe em tempo integral de três filhos incríveis: o Gustavo, a Júlia e o Guilherme.

A nossa história sempre foi a de ser uma equipe de quatro, a de ser a única referência, o único colo. Um papel que me exigiu uma coragem que nem eu sabia que tinha. E a vida decidiu testar essa coragem de todas as formas possíveis.

Em 2017 fui diagnosticada com Neuromielite Óptica, uma doença que me despiu da saúde, da autonomia e da força. Pouco depois, veio a Neuralgia do Trigêmeo, uma dor que me rouba o fôlego. De repente, a mulher que sempre cuidou, passou a precisar de cuidados.

Os meus filhos, ainda tão jovens, viram a sua mãe na mais pura vulnerabilidade. E, no entanto, eles ficaram. Tornaram-se o meu chão, a minha força, o meu amparo.

Olhando para trás, percebo uma verdade incrível e agridoce. A vida, ao me tirar tanto, me entregou algo que eu nunca tinha procurado: uma voz. Cada desafio, cada lágrima escondida e cada momento de superação tornou-se a tinta com a qual hoje eu escrevo. Tudo o que eu vivi foi o estopim perfeito para ter tantas histórias para contar.

Não foram as minhas conquistas que me fizeram escritora. Foram as minhas quedas. Foi a necessidade de encontrar sentido no caos, de transformar dor em legado.

Hoje, sou escritora. E esta identidade nasceu do amor inabalável de uma mãe e da resiliência de três filhos que me ensinaram o verdadeiro significado de cuidar.

Cada palavra que escrevo hoje é um reflexo disso. É a minha forma de provar que é possível transformar:

  • Dor em ponte.
  • Caos em aprendizado.
  • Grito em reconexão.

Eu sei o que são as batalhas silenciosas, travadas quando as luzes se apagam. Sei o que é sorrir para os filhos com o coração em pedaços, sussurrar "eu não aguento mais" no silêncio do quarto, para no dia seguinte levantar e ser a fortaleza que eles precisam.

É por isso que eu escrevo. Não para contar apenas a minha história, mas para dar voz à sua. Para que a minha escrita seja o espelho, onde você se possa ver. Não a sua dor, mas a sua incrível e teimosa força. Para que, juntos, possamos lembrar-nos de que as nossas maiores feridas não são o nosso fim. São a matéria-prima dos nossos maiores poderes.

No fundo, é esta a essência de tudo o que aprendi: a nossa travessia no fogo nos ensina a construir a mais inquebrável das estruturas, aquela que nos liga uns aos outros e a nós mesmos.

O Amor.

Agora reflita: Qual é a ponte que a sua história já construiu?